Eu trabalhava num pequeno comércio comprado por meu pai. Ela chegou com um bando de mulheres: mãe, filhas, tias, acho. Primeiro mandou a filha mais nova pedir bombom. A menina chegou mais como quem oferece. Jamais passaria pela minha cabeça que a mãe estava oferecendo a filha em troca de comida. (se minha leitura das putarias do mundo ainda é deficiente, imagine naquela época). Eu só via gente pobre, sem comida, que vivia perambulando pelas ruas. A mãe, percebendo minha ingenuidade (grande parte do poder mediúnico dessa gente não passa de discernimento), pediu para ler minha mão. Eu achei aquilo curioso e – investigador psíquico de primeira – resolvi testar a quiromante. Ela abriu minha mão e, com um breve passar de vista, olhou-me espantada como quem vê o próprio diabo. Eu nunca esqueci a expressão de espanto daquela mulher, assim como nunca entendi claramente o que a fez se espantar. Ela continuou sua narrativa, obviamente mentindo, (até eu percebi), inventando alguns problemas materiais e algumas qualidades psicológicas, tudo para ocultar o que havia visto. Eu não tinha como tentar descobrir alguma coisa. Paguei, e ela foi embora. Agora, fico pensando: o que ela terá visto? o Diabo? minha verdadeira face? meu fracasso? ou então, dada sua natureza pervertida, ficou envergonhada de ver um anjo? Se eu fosse um otimista ou um megalomaníaco optaria pela última alternativa. Mas eu não sou nada santo, conheço (um pouco) minha ira, meu rancor, minha misoginia, para pretender estar entre os espíritos puros.
Que a cigana e sua filha sigam em paz, que eu já alcancei na minha desejada senilidade.