19 de mar. de 2009

O MST quase não fala na mídia dos bacanas


Mendes: latifundiário e defensor da elite

17/03/2009

Em entrevista concedida à revista Época, o integrante da direção nacional do MST, João Pedro Stedile, nega que o movimento receba dinheiro público. Ele afirma que usar dinheiro público seria “o fim” do MST. Stedile critica o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ao afirmar que ele é latifundiário, defende banqueiros corruptos e também possui sua própria ONG. 

O presidente do STF, Gilmar Mendes, afirmou no mês passado que o governo federal não pode repassar dinheiro público ao MST. O dinheiro a que ele se refere é repassado a ONGs. Afinal, o MST recebe ou não dinheiro de entidades como Anca, Concrab, Iterra etc?

As entidades citadas estão devidamente habilitadas nos órgãos públicos e são fiscalizadas com rigor. Desenvolvem projetos de assistência técnica, alfabetização de adultos, capacitação, educação e saúde em assentamentos rurais. Isso é feito por centenas de entidades em todo o país, sendo que algumas delas recebem verbas polpudas. Isso acontece por culpa do governo neoliberal do Fernando Henrique, que implementou a substuição do Estado por ONGs. O MST sempre defendeu que direitos como educação, saúde e assistência técnica rural têm que ser implementados pelo Estado, para garantir a sua universalização. O engraçado é que os neoliberais, como o senhor Gilmar Mendes, desmontaram o Estado e agora reclamam das ONGs. Até ele (Mendes) montou sua própria ONG para dar aulas de direito. Não seria melhor multiplicar faculdades públicas?

Como o MST banca os custos de suas invasões e protestos?

As lutas dos trabalhadores só acontecem porque há problemas sociais e direitos negados. Então, parcelas mais conscientes se organizam, mobilizam suas forças e lutam. Nossa luta é fruto dessa consciência e, evidentemente, recebemos solidariedade dos trabalhadores, dos estudantes e professores, das igrejas e da sociedade brasileira. Existimos há 25 anos graças ao apoio político da sociedade brasileira e internacional e somos gratos pelas muitas homenagens recebidas. Nunca usamos um centavo de dinheiro público para fazer ocupações. Seria o fim de qualquer movimento. Isso é um absurdo e fere a inteligência do povo. Imagine que amanhã vão dizer que os sindicatos são financiados pelo dinheiro público para fazer greves.

Caso os repasses do governo sejam encerrados, em que medida isso poderia afetar o MST?

Em nada afetaria o MST. Apenas achamos engraçado como eles se preocupam com ONGs que atuam na reforma ágraria. Essa é a questão. Na verdade, o senhor (Gilmar) Mendes está defendendo seus interesses como latifundiário e os interesses da sua classe. Não quer reforma agrária nem quer ver a terra dividida. Muito menos lá no Mato Grosso, onde proibiu até pescaria em sua fazenda. Ele faz pose de moralista e não explica por que sua ONG recebe dinheiro público. Por quê? Por que não investiga o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, entidade mantida por proprietários rurais), administrado pelos fazendeiros, que recebeu R$ 1 bilhão de verba pública? Há processos no Tribunal de Contas da União de dinheiro do Senar apropriado para enriquecimento pessoal de fazendeiros. Por que não pede investigação da ONG Alfabetização Solidária (ONG voltada para projetos de alfabetização, iniciada pela antropóloga Ruth Cardoso em 1997), que recebeu R$ 330 milhões para fazer alfabetização de adultos? Quantos parlamentares respondem por processos de improbidade? Mais uma pergunta: algum militante do MST ficou rico com dinheiro público? A Policia Federal sabe muito bem quem desvia dinheiro público no Brasil.

Na sua visão, em que medida as invasões de propriedades rurais podem ser consideradas legítimas?

Há juristas, como o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Luiz Vicente Cernicchiaro, que expôs em acórdão do tribunal que ocupação massiva para pressionar pela reforma agrária não só não é crime, mas um direito do povo de lutar. Portanto, não é questão de lei, mas questão de classe. As ocupações de terra são uma forma de o povo organizado pressionar o governo a fazer reforma agrária. A solução é simples: basta aplicar a Constituição e acelerar a reforma agrária, que acabariam as ocupações. Agora, todas as milhares de famílias já assentadas pela reforma agrária no Brasil tiveram que ocupar terra para conquistá-las. A culpa não é nossa, mas da omissão do Estado brasileiro. Claro que o senhor Gilmar Mendes deve também ser contra as greves, quilombolas, povos indigenas, ou seja, pobres em geral. No entanto, é a favor dos militares que implantaram uma ditadura militar, de banqueiros corruptos. Cada um defende a classe a que pertence.

A Advocacia Geral da União procura meios para voltar a aplicar uma medida que inibe invasões de terra. A medida, usada no governo Fernando Henrique, diz que propriedades invadidas ficam fora da reforma agrária por dois anos. Se essa regra voltar a valer, o que o MST pretende fazer?

As ocupações de terra são uma forma histórica de os pobres do campo brasileiro lutarem - não foi o MST que inventou. Elas existem desde 1850, quando a Lei de Terras institucionalizou o latifúndio e a concentração da propriedade. A luta pela reforma agrária vai existir enquanto tivermos na sociedade brasileira a contradição entre 30 mil fazendeiros e 4 milhões de famílias sem-terra e 11 milhões de familias que estão em programas assistenciais do governo. Menos de 1% dos proprietários controla 46% de todas as terras no Brasil. As nossas mobilizações e ocupações vão continuar. A sociedade brasileira precisa discutir como enfrentar a crise econômica que está aí. Precisamos discutir como produzir alimentos sem agrotóxicos, como ter uma agricultura sustentável, como preservar a terra, a água e a biodiversidade, que são bens da natureza, repartidas entre todos os brasileiros, e não apenas entre fazendeiros e empresários. Esse é o debate. O senhor Gilmar Mendes assumiu convictamente o papel de líder da direita no Brasil e, por isso, o chamamos de Berlusconi verde-amarelo (alusão ao primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi), embora ele seja mais parecido com o (Benito) Mussolini. 

(Entrevista publicada originalmente na revista Época, edição 565 - 14/03/2009)

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