7 de mai. de 2009

Xian Xu e os Mongóis

Em 658, o pequeno reino de Lu Xian Xu, o Sábio, ao norte do Rio da Fertilidade, foi invadido pelos mongóis. Os mongóis eram terríveis. Depois de reduzirem a papa os campos de arroz do povo de Xian Xu, queimaram suas vilas, uma a uma, e chegaram por fim à cidade real. A bela Tsuido Hen consistia apenas no palácio do monarca cercado de ruas labirínticas, e os mongóis entraram pisoteando com seus cavalos peludos o labirinto, que era de papel e bambu, e foram direto ao palácio. Puseram-se então a destruí-lo, como haviam feito com colheita, crianças, adultos, cidades, esperança.


Enquanto seu palácio ardia, Xian Xu, o Sábio, entrou nos aposentos de suas onze esposas e, anunciando a derrota, ordenou que o seguissem. Pegariam a passagem secreta – a última esperança. Arrastando aquela cauda de mulheres assustadas, Xian Xu venceu o corredor com passos apressados e abriu de par em par as portas do salão abobadado da Grande Biblioteca, um aposento de vitrais altos e piso de mármore onde se assentava o xadrez das prateleiras repletas de arcanos teológicos e criacionistas, poéticos e terapêuticos, morais, filosóficos, míticos e cômicos.


O Sábio avistou então Suri Kuoda, o jovem bibliotecário, espanando poeira de uns volumes grossos. Sorriu. A esperança tinha mesmo muitas vidas.


– Você vai na frente – disse.


Salvando Suri Kuoda, Xian Xu dava-se conta de repente, salvava tudo. A memória prodigiosa do bibliotecário levaria consigo a Grande Biblioteca, ou pelo menos a melhor parte dela: os poemas eróticos de Tsi Eh, as anônimas Revelações Azuis, toda a hermenêutica de Lishmura. Os mongóis trovejavam perto dali. Uma pedra atingiu um vitral, abriu-lhe um dente. Tendo Suri Kuoda a seu lado e as onze esposas em seu encalço – era um estranho séquito o que fugia pela biblioteca, rumo ao alçapão atrás da última prateleira, de onde dariam nos subterrâneos inexpugnáveis – Lu Xian Xu ia ferido, triste como um viúvo, mas sereno e orgulhoso. A inestimável cultura de seu povo teria um futuro.


Estavam a poucos passos do alçapão quando ouviu-se um grito bestial, e um homem pendurado numa corda atravessou um dos vitrais, espatifando-o. Só então o futuro ficou claro para Xian Xu, e não era o que ele tinha imaginado. O mongol, careca como um ovo, depois de cair de pé no parapeito, tirou arco e flecha e zum, tuc, de repente tinha um pedaço de pau espetado no coração de Suri Kuoda.


Lu Xian Xu viu a ponta da flecha saindo das costas do bibliotecário e compreendeu. Mandando suas esposas imitá-lo, sentou-se no meio do corredor de livros, no mármore frio, de pernas cruzadas, e esperou a morte.



copiado sem autorização de Sergio Rodrigues