27 de set. de 2009

Down With The Clown: A verdade por trás do Coringa











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Vilões são geralmente tão conhecidos quanto heróis, afinal de contas, eles são a outra parte da história. O outro lado da moeda. O outro gume da faca. Tidos como “ruins”, “malfeitores”, a maioria destes antagonistas destacou traços de sua personalidade que marcaram o público. A presença assustadora de Freddy Krueger, pronto para invadir seus sonhos, a dialética plenamente convincente e sedutora de Al Pacino em O Advogado do Diabo, a onipotência de Darth Vader… Até em animações os vilões são lembrados. São poucos aqueles que não se deliciam com o cinismo apresentado por Jeremy Irons para encarnar Scar, em O Rei Leão.

Todos esses vilões – e a maioria de todos eles – tem algo em comum: uma motivação. Seja por uma série de traumas, por dinheiro, por poder; todas suas ‘maldades’ são feitas em prol de um objetivo que lhes interessa. Como, então, combater um inimigo que não tem objetivo algum, senão a auto-destruição? Depois desta breve introdução, senhoras e senhores, convido-lhes a discorrer sobre aquele que, para mim, caracteriza um dos melhores vilões de todos os tempos – seja nas HQs ou no cinema: o Coringa.

Segure-se, leitor(a), e… Why so serious?


Batman: A Piada Mortal

Aviso: Deste ponto em diante, o artigo está sujeito a spoilers. Se você não leu A Piada Mortal, recomendo que compre uma edição ou simplesmente baixe da internet; esta não é simplesmente uma história em quadrinhos. É uma obra prima. O faça antes ou depois dessa leitura. Considerem-se avisados

Nessa, que é considerada uma das melhores histórias em quadrinhos de todos os tempos, o Coringa foge do Asilo Arkham e decide mostrar ao Homem-Morcego que basta um dia ruim para que uma pessoa normal enlouqueça. E ele decide testar essa hipótese justamente no Comissário Gordon. O Coringa vai até a casa dele, e atira em sua filha – Bárbara Gordon, até então a Batgirl. Em seguida, nos é sugerido de maneira subjetiva que ele a violenta sexualmente, documentando o ocorrido em fotografias.

Gordon é levado até um parque de diversões, torturado psicologicamente pelo Coringa que chega a colocá-lo em uma montanha russa, exibindo durante o percurso as fotos que tirou da própria filha de Jim. Quando Batman chega, encontra Gordon miraculosamente são. Ele decide, então, ir atrás do Coringa, para captura-lo.

A história termina de uma maneira genial: o Coringa conta uma piada sobre dois loucos que desejavam fugir do manicômio; eles sobem no telhado da instituição e vêem outro prédio próximo. Um deles pula, e consegue escapar. O outro, porém, fica com medo de cair. Seu amigo diz: “Ei! Eu tenho uma lanterna aqui. Vamos fazer assim: Eu a ligo, e você vem até aqui caminhando pelo facho de luz”. No que o outro responde, depois de balançar negativamente a cabeça: “Eu não! Acha que eu sou louco? Você vai desligar a lanterna no meio do caminho!”.

O Coringa começa a rir. Batman começa a rir. Os dois se aproximam, rindo muito… E a história acaba. Isto coloca em xeque toda a credibilidade do Homem-Morcego. Esse final genial, criado por Alan Moore, nos faz pensar: Batman é um herói, sim. Ele luta pelo crime. Mas é tão louco quanto o Coringa… afinal de contas, o homem veste uma fantasia de morcego e sai por aí combatendo marginais. Será que ele e o seu arque-inimigo são tão diferentes assim?

Essa questão é levantada no filme que, para mim, é o melhor de 2008. Numa das melhores adaptações de super-herói para a tela do cinema (na minha opinião, perdendo apenas paraWatchmen). O filme imortalizou Heath Ledger e enterrou de vez os videoclipes de Joel Schumacher (que eu me recuso a sequer proferir os títulos). Falaremos, a seguir, de:Batman: O Cavaleiro das Trevas. E o melhor Coringa de todos os tempos.

Batman sempre esteve acostumado a lidar com bandidos. Mafiosos. Pessoas que, por algum evento ou série de acontecimentos, só deseja – e só quer fazer – o mal à todos. Para eles, basta alguns socos e o Asilo Arkham – ou a cadeia.

No final de Batman Begins, porém, o Comissário Gordon entregou uma carta para Batman que fez todos os fãs ficarem com a sobrancelha erguida e o coração acelerado: a carta do Coringa. Durante anos, ficamos com a eterna dúvida: Seria outro fiasco à la Joel Schumacher, ou dessa vez teríamos o filme de ação definitivo? Afinal de contas, se em Begins– que conseguiu, com maestria, contar a história do Batman – já tivemos alguns vilões… seria essa a hora de meter o pé na porta, para cravar à ferro e fogo o “filme definitivo e insuperável do homem-morcego”?

Graças à Deus, para todos os fãs de cinema… Sim. E, como fã, não digo que a atuação de Christian Bale foi excepcional. Tiro aqui meu chapéu para Gary Oldman, Morgan Freeman e Michael Caine. Tiro todos os meus valores morais e possibilidades de respeito, porém, para apenas um ator: Heath Ledger. Heath Ledger fez o que, por muito tempo, soou como dúvida para fãs e críticos. Fez algo inimaginável. Indescritível. Insuperável. Heath Ledger nos trouxe o mesmo Coringa maníaco que pudemos observar em A Piada Mortal. Duvidam? Mergulhemos uma vez mais, então.

Pulemos para a cena do interrogatório (o que é uma lástima, pois eu adoraria comentar a mágica do lápis, mas…): o Coringa foi preso. Está na sala de interrogatório. Comissário Gordon entra lá e é recebido com um educado “Boa noite, Comissário” (dito de uma maneira tão macabra que me faria, no lugar do Comissário, dar um “boa noite” de volta e sair dali naquele instante). Apesar das perguntas de Gordon, o Coringa mantém-se irrefutável. Cínico. Medonho. O Comissário sai de cena e, nesse instante, se inicia um dos meus momentos favoritos do filme. Batman e o Coringa, frente a frente.

Bruce está nervoso. Quer respostas. Quer agilidade. O Coringa parece desfrutar, com prazer, de cada instante perto do Batman. O humor frio e real não vai embora. Enquanto Batman mantém-se direto e rápido, o Coringa analisa a situação como um todo. Mostrar-lhes-ei um pedaço desse diálogo; um dos diálogos que me lembraram muito de A Piada Mortal:

 - Por que você quer me matar?
- AhAhAHAHAhA! Eu não quero matá-lo! O que eu faria sem você? Voltar a roubar mafiosos? Não, não… Você… Você me completa.


Batman não passa do criador do Coringa. Se o homem vestido de morcego não existisse, o palhaço não existiria também. Talvez ele não aparecesse em Gotham. Se no filme a única exigência do Coringa é que o Batman revele sua verdadeira identidade… se ele não existisse, em primeiro lugar, nada disso aconteceria. Se este morresse, à essa altura do campeonato, nada mais faria sentido para o palhaço.

A cena que se segue mostra o Coringa denotando sua primeira faceta anarquista: ele deseja que Batman quebre sua única regra, que consiste em não matar. Para encerrar esta cena, irei apenas ressaltar seu grand finale: após revelar que Rachel também foi seqüestrada, Bruce perde a paciência e começa a agredir mais seriamente o Coringa. Ele ri. Ri gostosamente, enquanto tenta explicar que o Homem-Morcego terá que escolher apenas uma vida para salvar. Ao levar outro soco, ele ri de uma maneira que arrepia o espectador. Uma das minhas frases favoritas de todo o filme:

-Você não tem nada… Nada que possa usar para me ameaçar. Nada a fazer com toda sua força.

 
Batman decide ir buscar Rachel. Gordon vai atrás de Dent. Os lugares, como vocês sabem, foram dados em sua ordem contrária pelo Coringa. Agora, porém, avancemos para o instante primordial do filme: A cena do hospital.

Vestido de enfermeira, o Coringa mata um dos policiais que entra na sala e então vira-se para Dent, que acorda lentamente. O palhaço tenta convence-lo que a morte de Rachel não fora sua culpa. Que, enquanto tudo acontecia, ele estava preso na sala do interrogatório. Percebemos suas reais intenções no seguinte diálogo:

- Seus homens. Seus planos.
- Eu pareço mesmo um cara com um plano? Sabe o que eu sou? Sou um cachorro perseguindo um carro. Eu não sei o que faria com um, se o pegasse! A máfia tem planos. Os policiais têm planos. Gordon tem planos. Eles são planejadores. Planejadores tentando controlar seus pequenos mundinhos. Eu não sou um planejador. Eu tento mostra-los quão patéticas suas tentativas de controlar as coisas realmente são. Então… Quando eu digo – venha aqui – que você e sua namorada não foram nada pessoal… Você sabe que eu estou falando a verdade. São os planejadores que o colocaram onde você está. Você era um planejador… Você tinha planos… E, bem… Olhe onde isso te levou!

Acham que acaba por aqui? Não… Ele vai mais longe. 
 
- Eu só fiz o que faço de melhor. Eu peguei seu planozinho e o virei contra você! Olha o que eu fiz com essa cidade, apenas com alguns galões de gasolina e umas balas. Hm? Sabe… Ninguém se apavora se tudo acontece como o planejado. Mesmo se o plano for aterrorizante! Se amanhã eu falar à imprensa que um caminhão cheio de soldados explodirá, ninguém se aterroriza. Porque é tudo parte do plano. Se eu disser, porém, que um prefeitozinho velho vai morrer… Todo mundo perde a razão! Introduza um pouquinho de anarquia… Mude a ordem pré-estabelecida, e tudo se torna… Caos. Eu sou um agente do caos. E sabe a coisa boa dele? É justo.


Muitos devem ter perguntado-se: Qual a ligação do Coringa d’A Piada Mortal com o d’O Cavaleiro das Trevas? E aqui está a minha visão:

N’A Piada Mortal Coringa tenta mostrar ao Batman que basta um dia ruim para levar um homem aos seus instintos mais primários. Nesse caso, ele usa Gordon, o Comissário de Polícia. No filme, o Coringa leva Dent, o cavaleiro branco de Gotham, para o nível mais baixo: o nível de um vilão. Ao mesmo tempo, tenta utilizar dois grupos de pessoas e coloca-los em confronto, com a premissa que, para sobreviverem, teriam que assassinar muitos outros.

O que somos nós, senão o contrário do Coringa? Metidos em nossas vidas com rotina e planos. Sabemos tudo o que faremos durante a semana, talvez até durante todo o mês. E, se algo sai fora do planejado, enlouquecemos. Ficamos nervosos, ansiosos, quase loucos. Um mundo de regras inventadas por nós mesmos. Regras que aparentam não poderem ser quebradas, mas… Fomos nós que as inventamos. Somos nós que podemos destruí-las. Da mesma maneira que todos nós temos um Tyler Durden dentro de nossos corpos (tema para outro post tão extenso quanto este, aliás), todos também carregamos um Coringa, e, no fundo, estamos loucos para liberta-lo.

Não o faça agora. Não o faça do nada. Não o faça completa e inteiramente. Mas saiba que ele está aí. Rindo. Sem poder acreditar em como você consegue fingir que tudo vai ficar bem só porque você acha que amanhã vai fazer o que acha que vai fazer. E, toda vez que você se deita, ele pergunta em voz baixa: 

Why so serious?

E então, eu te pergunto: Por que tão sério?


*Luke Baranyi é nerd, cinéfilo, filósofo de boteco e dono do O Questionador