16 de set. de 2009

Plano de duas feministas

Através de Le Monde

Fabiane Borges, Hilan Bensusan

(10/03/2009)

Preliminares? Conheci Élida no fim dos anos 60, acho que numa manifestação um pouco antes do AI-5. Encontrei-a muitas vezes na casa de Joyce, uma militante que reunia apenas mulheres na sua casa às sextas-feiras, depois que o regime fechou. Eram reuniões intermináveis. Muitas vezes ficávamos todas bêbadas e víamos pela fresta da janela do apartamento no Leme o sol nascer na praia. Joyce havia estado nos bastidores da passeata dos 100 mil, mas naquele ano estava se desquitando e andava querendo descobrir a solidariedade feminina. Sua solidariedade às vezes parecia intimidade – ela queria achar que na cama o feminismo é lesbianismo. Élida não parecia ter achado isso, mas quase não saía daquele apartamento. Elas eram o núcleo de uma conspiração de mulheres com braços por todos os lados. Éramos todas jovens mulheres de menos de trinta anos e já quase todas esposas. Depois vieram os anos duros, muitas perderam amigos, tiveram maridos desaparecidos e quase todas exilaram-se. Ainda lembro daquelas noites como espaços abertos em nossas vidas cada vez mais encurraladas. Élida tornou-se psicóloga e saiu pelo mundo – acho que se exilou logo depois que a Joyce parou com suas reuniões de sextas-feiras. Tinha notícias dela de Paris, da Turquia, de praias remotas escrevendo livros. Encontrei-a depois de mais de trinta anos na saída de um evento sobre travestismo e prazer. Ela não havia mudado quase nada, os mesmos cabelos pretos – ela sempre pintava – os olhos verdes e muitos panos cobrindo os ombros. Eu acho que a reconheci primeiro porque eu sei que eu estava muito mudada. Sentamos em um café e eu disse:

— Élida, você tá ainda tão bonita, não mudou nada, me conta tudo, tudo! Bem devagar...

— To fodida minha nega! Tô voltando pro Rio cheia de idéias, mas sem conseguir botar os pés no chão até hoje. Ainda me apaixonei por um estudante da faculdade, isso ta me deixando alcólatra de novo... Um uísque com gelo, por favor!

— Ah, é aquele moço que estava conversando com você? Ele é muito bonito mesmo, pensei que fosse um transexual...

— Não, nem é. Eu também andei azarando esse, mas saí em seguida, é muito cheio de neura e me chamava de mami quando a gente trepava, ahi é demais pra mim. Queria tanto ser chamada de novo de princesa, linda, essas coisas que a gente ouvia naquela época, quase quarenta anos atrás, o tempo voa amiga. Ando tão nostálgica ultimamente. Na real nesses últimos anos tenho a maior despesa do mundo com os homens. Quem diria! Mas pelo menos me divirto ainda, tem gente daquela época, os que sobraram, que não fazem idéia do que seja isso. Querida, conta de você, o que aconteceu com você?

— Élida, você se lembra da Aninha, que era amiga da Joyce também, que morava na Urca e que era casada com um coronel da repressão, lembra? Então, neguinha, estamos juntas há mais de vinte anos, morando ali em Ipanema, cê acredita?

— Ahahahahha, que ótima história. O coronelão deve ter ficado furioso! Caralho, você roubou a primeira dama do quartel! Alias, você comeu quase todas aquelas feministas, eu lembro bem que tive que ser dura com você...

— Todo mundo dizia que você era a namoradinha da Joyce... eu quase nem me atrevia. Mas ó, foi a Roberta, uma das solteiras, foi a Lucia, foi a Marlene... não sei quantas. A Joyce também fez as suas investidas, mas ela nunca me deu tesão, cê acredita?

— Acredito, a Joyce tinha algo de travecona, até hoje ela é desajeitada, mas tá muito bonita, com uma pousadinha nos Pirineus, casou com um francês uns quinze anos mais jovem, um gato, ahahah, charmoso!. Me conta, você não ficou com homem nenhum desde aquela época?

— Bem, eu era casada com o Fernando, você se lembra dele? A gente era até feliz, revolucionários juntos, e tudo. Tínhamos um casamento aberto e eu sabia que ele dormia com a Joyce e com a Lucia de vez em quando. Depois que ele mudou para o México, que a coisa apertou, eu fui com ele, mas me convidaram para dar aulas aqui e eu voltei sozinha. Você sabe que nós nunca divorciamos? Depois teve o Fonseca, que me enloquecia na cama, mas que era discordância política sem parar – tipo ele era do governo Chagas Freitas... A separação foi foda, minha irmã, ele me procurava quase toda noite etc. Foi nessa época que eu reencontrei a Aninha...

— E abandonou os homens.

— Ih, amiga, essa coisa de abandonar eu não acredito. Acho que aquilo que já me erotizou algum dia, nunca deixa totalmente de ser excitante. Além disso, com o tempo mais coisas me excitam, mais coisas me parecem sensuais. Os homens me deram muito prazer... O Fernando, o Fonseca... Sabe que tem uns três anos, o Fernando passou uns seis meses aqui no Rio e não saía lá de casa. Você sabe que já não temos idade para transar os três juntos toda noite, mas tiramos uns bons caldos. A Aninha sim é que não dava para um homem há mais de dez anos, depois disso encontrou o Carlos que não sai lá de casa, mas quase não transa comigo...

— Regina, eu tava pensando muito nessas crises universais da terceira idade, querida, foi ótimo encontrar você, perfeito!!! Eu estou voltando pro Rio de Janeiro e estou com uns contatos em Salvador e em Natal, você sabe, sou pragmática até o útero. To afim de montar um Bordel de Homens, pra atender nossos, digamos, desatinos eróticos. Tava mesmo precisando de uma sócia, o que você acha de montarmos um plano?

— Élida, Élida, tuas idéias. Eu... eu... eu topo. Acho que na minha idade homens são necessários apenas para me divertir – aliás eu sempre achei isso. Eu estou certa de que eu nunca teria uma relação como a que eu tenho com a Aninha com um homem. Mas, nunca deixei de tentar me aproximar deles. Acho que um bordel seria uma boa maneira de me aproximar dos homens, eles adoram as mulheres que lhes ofereçam outras mulheres... Mas você tá pensando em um bordel só pras que tão virando o cabo da boa esperança como nós?

— Não, achei que o fato de estarmos velhas, é uma inspiração, mas na real sempre pensei no que seria um bordel que atendesse vários tipos de desejos, sem exploração dos trabalhadores, com oficinas de formação para vários segmentos e ainda por cima, massagens eróticas, nega!!!

— Você sabe que eu e a Aninha passamos seis meses em Moçambique – já fazem uns 15 anos. Lá a gente frequentou uma escola de sexo por um mês. Era uma escola para mulheres apenas, aprendemos pompoarismo, fizemos lulas na buceta... ahahahah, olha, os homens podem até não gostar do meu corpo e muitos nem se excitam comigo, mas quando eles metem em mim, eu faço coisas que eles nunca sentiram antes – é por isso que eu tenho uns amantes que sempre voltam... Élida, eu sempre quis ensinar pompoarismo para as velhas – acho que é o segredo das bruxas: ou saímos voando de vassoura ou seguramos os paus dos caras com os músculos da nossa xana... hahaha...

— Bom, isso também pode entrar, só quero ter cuidado para não formar uma escola. Por favor, escola não. Tem que ser um bordel, pra sacanagem, e podemos conjuntamente dar uns cursos. Mas sabe que eu preferiria que esse bordel fosse descentralizado. Como um bordel virtual que tivesse alguns contratos de locação com pequenos e grandes hotéis do país. Que tivéssemos encontros virtuais e presenciais entre a equipe de trabalhadores e também cursos para formação de profissionais do sexo, homens, mulheres, travestis, lésbicas, todo esses LGBTTs. Criamos um nome fictício, e a partir dessa “marca” podemos oferecer cursos abertos como o de pompoarismo. Queria que tivéssemos também alguns pequenos lugares ao longo do Brasil, como um no interior de São Paulo, outro em Salvador e conforme for indo os negócios vamos comprando mais alguns, com associados locais, para que a gente pudesse ter a distribuição do prazer para todos que precisam, num preço legal e com equipe altamente qualificada. E também para termos nossos próprios espaços para as imersões de equipe e também para os cursos.

Para ver mais: http://txtb.in/4Gy

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