20 de out. de 2009

Alma de ribeirinho


Os que nasceram nas grandes metrópoles, com seus brinquedos eletrônicos e suas esquinas concretas, defenderão as ruas asfaltadas, o clube do fim de semana e a solidão do computador. Os que nascem na beira de um rio, porém, queremos fazer ver as vantagens e os privilégios da infância livre, entre águas, peixes e canoas.

Até hoje, e lá se vão mais de trinta anos, até hoje, eu ainda sonho com o rio Mearim do fundo de meu quintal. Vez por outra, acordo com a doce sensação de um banho quente em suas águas. E quantas vezes sonhei com a casa alagada pela enchente,pescando piaba, sobre um jirau de tábuas! O menino ainda não sabia reconhecer a responsabilidade dos adultos e o sofrimento dos alagados mais pobres. Só pensava em banhar no meio da rua e pescar... Outro dia, eu sonhei um sonho surrealista (conseqüência, decerto, de alguma refeição mal digerida). Parecia que o rio se transformava numa larga avenida, com carros anfíbios e bicicletas que subiam e desciam nas águas...

Eu nasci na beira do rio, na casa sete, cuja rua leva o nome de um antepassado. Aprendi a nadar com meu avô, Nestor Fernandes, que tinha um método pedagógico um tanto excêntrico: jogava-nos no meio do rio para que perdêssemos o medo da água. É claro que era uma forma dele se divertir também, mas eu retive a lição realística: ou aprende a nadar ou morre afogado!

A primeira namorada eu conheci banhando de canoa nas manhãs de domingo. Folgávamos nas canoas, os rapazes, com a maré cheia e batida de maracujá, enquanto as meninas, de biquíni, iam em outras canoas tomando banho de sol. Foi um amor idílico e sincero. Provocou minha inclinação romântica e me fez ler toda a obra de José de Alencar...

A primeira transa, também, alguns anos adiante, foi com a inspiração do rio. Mas, é claro, não era tão bom como as boas pescarias de surubim! Ah! Nada supera um peixão na linha, brigando desde o meio do rio até a beira! A educação pela paciência e o orgasmo da fisgada: perfeito!

Além disso, as desilusões, os desencantos, as melancolias da juventude eram testemunhadas pelas plácidas águas do entardecer. O dourado nas pequenas ondas; o vento brevíssimo; os pássaros buscando em algaravia o agasalho das grandes árvores; o amarelo queimado do sol no horizonte se pondo entre as copas das mangueiras e a curva do rio. Eu nunca vi um pôr-do-sol tão bonito quanto o de Arari, capaz de reunir para mim, a beleza natural e a simpatia da saudade.

Quando ficávamos bêbados, íamos curar a ressaca nas águas do rio. Uma vez, com os hormônios malogrados, fomos terminar a madrugada banhando pelados na “barragem”. O delegado não soube, nem o Pe. Brandt. Era um outro tempo. Hoje, as ressacas são outras e, talvez, estejamos tentando curá-las em outras águas, nas águas turvas da linguagem.



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