Outubro 17, 2009 Amilton Aquino
Em comum com a dívida interna, a externa tem o fato de existirem diferentes versões oficiais, conforme pode ser visualizado no gráfico abaixo:
Como pode ser observado no gráfico, existem versões para todos os gostos, desde para quem afirma que a dívida continua aumentando até para quem afirma que ela se tornou negativa!
Para quem ficou surpreso com a diferença de R$ 500 bilhões entre a maior e menor versão da dívida interna, apresentada no post anterior, aqui a divergência entre a menor e a maior versão chega a mais de R$ 1 trilhão, quando os valores são convertidos em reais!
A dívida que ficou negativa!
Sem dúvida, o que mais chama a atenção neste gráfico é a variação da dívida segundo o IPEA. Segundo o instituto, a dívida externa teria sido reduzida de US$ 237.539 bilhões, no inicio do Governo Lula, para US$ 273,8 bilhões NEGATIVOS em agosto de 2009!Se somarmos a divida inicial de US$ 237.539 (positivos) com os US$ 273,8 bilhões negativos atuais, o Governo Lula teria então conseguido a façanha de em apenas sete anos baixar a dívida externa em US$ 511,3 bilhões!
Mais curioso ainda é ver a imediata “tendência” de queda da dívida já no primeiro mês de governo do PT. De acordo com a série histórica do IPEA, quatro meses depois de assumir, o Governo Lula já teria diminuído a dívida externa em US$ 43,4 bilhões!
Por aí já dá para se concluir que há algo de irreal nestes números, afinal, se com o “pagamento antecipado” da dívida do FMI de US$ 15,5 bilhões o Governo Lula fez todo aquele estardalhaço na mídia (ver primeiro artigo desta série), imagina então o que faria se tivesse realmente pago um valor três vezes maior em apenas quatro meses de governo!
A única coisa que parece justificar uma queda tão rápida desta versão da dívida é a oscilação do valor do dólar. Para quem não lembra, a moeda norte-americana chegou a casa dos R$ 4 no auge da “Crise Lula” às vésperas das eleições em 2002. Só depois que o mercado percebeu que o novo Governo não mexeria na política econômica deixada por FHC é que o dólar voltou aos patamares anteriores, conforme pode ser verificado no gráfico abaixo:
Comparando o gráfico da evolução do dólar com as diferente versões da dívida externa, fica clara a relação. Observe que os picos da dívida externa ocorreram quando o dólar estava mais alto. Logo, qualquer comparação da dívida atual com a dívida deixada por FHC, para ser justa deve-se fazer uma ressalva sobre o recorde da cotação do dólar decorrente do medo do mercado do então candidato Lula.
Tentando entender a “mágica”
Tão incrível como o fantástico ritmo de redução da dívida segundo o IPEA é o fato do instituto não incluir nenhuma nota explicativa sobre como chegou a tais números. Apesar da falta de informação, não precisa ser nenhum gênio para se concluir que a única forma de justificar tais números é com os dólares de terceiros.Segundo o jornalista e economista Carlos Alberto Sardenberg, da Rádio CBN, o cálculo seria o seguinte: toma-se a Dívida Externa Total – DET e se subtrai dela o “ativo” do país no exterior, que são basicamente as reservas internacionais do BC. Chegaríamos então à Dívida Externa Total Líquida (DETL).
Colocando a fórmula em prática, subtraímos do valor da DET, que em agosto era de US$ 277,2 bilhões, o total das reservas, que no mesmo mês totalizavam US$ 215 bilhões. O resultado final (DETL) seria então de US$ 62,2 bilhões. Acontece que tal valor não chega nem próximo dos US$ 273 bilhões negativos.
Talvez a explicação esteja então nos dólares de empresas brasileira investidos no exterior. Não encontrei os dados atualizados sobre este fluxo de capitais no site do BC, mas até o início de 2008 o total de investimentos de brasileiros no exterior somava US$ 365 bilhões (ver matéria no Estadão). Ainda assim a conta não fecharia, pois hoje certamente este valor já ultrapassou a casa dos US$ 400 bilhões.
De onde viria então o fantástico valor de US$ 273,8 bilhões negativos da dívida externa? Eis aí mais uma pergunta que estamos encaminhando ao BC.
Qualquer que seja a explicação, no entanto, de uma coisa temos certeza: a suposta redução tem muito mais a ver com a movimentação do mercado privado e da desvalorização do dólar a nível mundial do que com ações do Governo. Nem mesmo a “quitação antecipada” da dívida com o FMI pode ser considerada mérito de Lula, pois hoje sabemos que tal operação não passou de uma troca de títulos da dívida externa por títulos da dívida interna, cujo objetivo principal foi criar um factóide político às vésperas das eleições de 2006 (com a desvantagem dos juros da última serem três vezes maiores que a do FMI). Para quem é novo no nosso blog, este assunto foi abordado no primeiro post desta série.
Dois pesos, duas medidas
Outro ponto que chama bastante atenção nos dados sobre a dívida externa divulgados pelo Governo Lula é a não contabilização dos chamados “empréstimos intercompanhias”. Vale salientar que até o Governo FHC a dívida era divulgada em sua totalidade. Ou seja, a Dívida Externa Total (DET) que no gráfico da evolução da dívida acima, corresponde à versão 3 do BC (gráfico azul claro).Atualmente, o Governo divulga para a imprensa a versão 2 do BC (gráfico roxo), o qual totalizaria em agosto de 2009 US$ 204 bilhões, deixando de fora US$ 73 bilhões referente aos empréstimos intercompanhias, conforme pode ser constatado na reportagem publicada pelo Valor Online e outros veículos de comunicação.
Tal valor, no entanto, é considerado no relatório do Tesouro Nacional, só que de uma forma um tanto questionável. Vejamos:
Desde que o Governo unificou os relatórios das dívidas interna e externa, a partir de 2007 (ver post anterior sobre este assunto), o governo criou a chamada Dívida Pública Federal, que é a soma da dívida interna com a dívida externa. Acontece que neste relatório, a dívida externa aparece em agosto de 2009 num total de R$ 109 bilhões.
Como se chegou a tal número? Simples: O Governo abateu o total das reservas (US$ 215 bilhões) no total da dívida externa de US$ 277 bilhões, o que resultou em US$ 62,2 bilhões. Convertendo este valor em Real (na época a cotação era de 1,75) finalmente chegamos aos R$ 109 bilhões.
Está aí a explicação para os outros dois gráficos que decrescem: o do Tesouro (em azul) e da primeira versão do BC (verde), pois desde 2003 o dólar tem sempre caído, enquanto que as reservas tem sempre aumentado com a chegada de investidores estrangeiros. Ou seja, também os méritos do Governo são muito reduzidos, pois a depreciação do dólar é um fenômeno mundial e a entrada de capitais estrangeiros no país é fruto da melhora nos indicadores econômicos do país, resultante de uma combinação de fatores positivos, entre os quais podemos citar:
1) a estabilização da economia (cuja política econômica foi toda implementada no Governo anterior);
2) a ausência de crises, que propiciou um crescimento do PIB constante e sem sobressaltos (diferente do governo anterior, que além de sucessivas crises internacionais teve que enfrentar uma seca no sul e sudeste que quase levou o país ao “Apagão” no início da década);
3) os crescentes saldos da balança comercial decorrentes da valorização internacional em mais de 100% dos preços das commodities (principais produtos de exportação brasileiros);
4) o deslocamento do fluxo de investimento das grandes multinacionais dos países desenvolvidos para os emergentes;
5) o crescimento e a internacionalização das maiores empresas nacionais, como a Vale e Embraer, por exemplo, que ajudaram a reforçar os cofres do Governo em impostos;
6) os incentivos do Governo às exportações e ao setor de infra-estrutural.
Ou seja, o Governo Lula só teve méritos efetivos no último item. Mesmo assim, como decorrência já do processo de desenvolvimento criado com a combinação dos fatores anteriores, pois para desonerar as exportações e investir no setor naval, o Governo contou com os sucessivos recordes de arrecadação resultantes do processo da retomada do crescimento, cujos fundamentos teve uma mínima participação.
Enfim, o problema da dívida externa hoje parece um problema menor, quando comparado a imensa dívida interna. Isto ocorre porque nos últimos anos o Governo concentrou a emissão de novos títulos na dívida interna. Mesmo com o pagamento dos juros e da imensa desvalorização do dólar, a dívida externa continuou aumentando.
De olho nas próximas eleições e com dificuldade em bancar os altos gastos da máquina, o Governo já acena para a emissão de novos títulos também na dívida externa (ver matéria publicada no Estadão), já que seus juros são bem menores que os da dívida interna, ironicamente juros controlados pelo próprio Governo.
A “via crucis” da coleta de dados
Por incrível que pareça, tanto os dados do site do Tesouro Nacional quanto do Banco Central, a série histórica da dívida externa começam sempre a partir do ano 2000. Para recuperar dados confiáveis sobre a fase anterior da dívida tive que recorrer a uma “cartilha” do BC que encontrei no site da USP cujo link pode ser consultado aqui. Neste caso, tive que retirar os dados de forma aproximada, uma vez que os números do gráfico aparecem apenas em anos alternados. Embora esta não seja uma pratica muito recomendável, não me sobrou outra alternativa, pois até então só tinha como dados oficiais referente aos anos anteriores a 2000 a verão do IPEA, a mesma que tornou a dívida externa negativa! Ou seja, não dá para se ter como referência.Procurando no Google, mas uma vez me deparei com inúmeros sites com informações desatualizadas e conflitantes sobre a dívida externa. Nesta busca, encontrei um site português (Index Mundi) que traz uma outra versão da nossa dívida externa, a qual publiquei no nosso gráfico acima (cor laranja). Vejam a que ponto chegamos: tivemos que recorrer a um site português, pois no Brasil, nenhum veículo de comunicação se presta a oferecer um serviço tão simples como este.
Enfim, temos aqui mais uma prova do descaso do povo brasileiro e da nossa mídia com algo que mexe diretamente com nosso dia-a-dia, pois todos os anos leva bilhões e bilhões de dólares nossos em juros para o exterior.
Diante de tanta desinformação, criei uma seção fixa no blog ( “Gráficos“), onde pretendo atualizar a cada novo boletim do BC, do Tesouro e da Auditoria Cidadã da Dívida os principais gráficos sobre a economia brasileira .
O caminho é longo, mas quem sabe algum dia o povo brasileiro desperte e finalmente resolva ver de perto o valor da fatura do “cartão de crédito” da dívida pública que tem financiado o projeto eleitoreiro do atual Governo.
Mas afinal qual o valor da dívida externa?
O valor correto é US$ 277,205, em agosto de 2009, dos quais US$ 73,102 bilhões são de empréstimos intercompanhias das multinacionais a suas subsidiárias no país. Era assim que era contabilizada na era FHC e deveria ter continuado no Governo Lula. Ou seja, Lula pegou a dívida externa de FHC em US$ 220 bilhões (no auge da “Crise Lula”) e aumentou-a para US$ 277,2 bilhões em seis anos e oito meses.Fontes:
- IPEA – O site não permite links secundários (sabe lá por que). Para acessar então a planilha da série histórica da dívida externa, clique na aba “Macroeconomico”, em seguida em “Índices Analíticos” e finalmente em “Dívida líquida do setor público”.
- Tesouro Nacional
- Banco Central (versão 1)
- Banco Central (versões 2 e 3) – O link se refere a janeiro de 2009. Encontrei este link no site da Auditoria Cidadã da Dívida. Procurei no site do BC o link para a planilha mais recente, mas não encontrei. Enviei um email ao BC solicitando informações onde buscar as últimas planilhas, mas nem eles souberam informar. Portanto os dados referentes a agosto 2009 peguei no site do Valor Econômico. Notem, no entanto, que a planilha é baixada diretamente do site do BC. As informações do gráfico constam na aba 49.
- Banco Central (versão 4)
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