O Brasil se encheu de orgulho em 2005, quando a mídia noticiou o fato histórico da quitação da dívida brasileira com o FMI, ainda mais com dois anos de antecipação. O presidente Lula, como sempre, capitalizou ao máximo tal evento (coincidentemente às vésperas das eleições), aproveitado a ocasião para manifestar sua intenção de emprestar dinheiro ao FMI. “Vocês não acham chique? O Brasil agora vai emprestar dinheiro ao FMI?”, perguntou o presidente aos jornalistas em tom de campanha e de deboche. O fato histórico ajudou Lula a diminuir o impacto da crise do PT pós-mensalão, contribuindo para sua reeleição no ano seguinte.
Mesmo percebendo o objetivo eleitoral do Governo na antecipação da quitação da dívida, a oposição teve que se calar diante de um fato simbólico e tão importante para a auto-estima do povo brasileiro. Mesmo assim, algumas vozes dissonantes na “Imprensa Golpista” questionaram o esforço do Governo em apressar a liquidação de uma dívida que cobrava juros de apenas 4% ano, enquanto que, ao mesmo tempo, o Tesouro continuava a pagar juros superiores a 13% ao ano da Dívida Interna.
O outro lado da história
No mesmo ano do badalado pagamento da dívida com o FMI, o Governo fez diversas operações no mercado financeiro para capitalizar recursos em troca de títulos da dívida brasileira. Além de US$ 4.49 bilhões em títulos da dívida brasileira no exterior, o Governo trocou C-Bonds por A-Bonds no valor de US$ 4,4 bilhões e antecipou o lançamento de US$ 3,5 bilhões em títulos da dívida externa que estavam programados para o ano seguinte. Traduzindo o “economês”, o governo pediu emprestado ao mercado financeiro um total de US$ 12,4 bilhões, um valor bem próximo aos US$ 16 bilhões pagos ao FMI. Ou seja, o governo juntou o valor dos empréstimos com a parcela da dívida programada para o ano de 2005 e criou o factóide da quitação do FMI. Na prática, o governo trocou uma dívida com juros de 4% ao ano por outra com juros entre 8% e 13%.
O mar das dívidas
Assim como os rios correm para o mar, todos os “títulos” vendidos pelo Governo no mercado financeiro são incorporados às dívidas interna e externa. Desde o governo FHC estas movimentações têm se concentrado na dívida interna, a qual não pára de crescer. Abaixo um gráfico divulgado pela Auditoria Cidadã da Dívida que mostra sua evolução nos últimos anos.
Embora os dados de 2008 e 2009 ainda não tenham sido computados na tabela, sabe-se que hoje a dívida é ainda maior, pois ainda esta semana a imprensa divulgou que o Governo Federal não conseguiu nem o mínimo necessário para pagar os juros da dívida. Procuramos dados atualizados nos sites do Banco Central e do Ministério da Fazenda, mas não encontramos um gráfico como este, com valores totalizados. Existem duas planilhas relativas à série histórica das dívidas internas e externas iniciadas em 1995, mas as tabelas são tão confusas que fica difícil se chegar a uma conclusão real dos números. A tabela mostra uma enxurrada de números referentes a juros e encargos sem uma totalização final. Tentamos totalizar alguns dados, mas os números não corresponderam aos dados divulgados pelo governo, segundo o qual a dívida interna estaria hoje em torno de 1,46 trilhão de Reais.
A ausência de informações sobre este tema na web mostra como o brasileiro dá pouca atenção ao problema das dívidas públicas, as quais consomem hoje a maior parte dos recursos arrecadados pelo governo.
Oficialmente, o governo gastava até 2007 30,7% do orçamento com juros e amortizações da dívida pública. Quando computados os recursos emitidos para o refinanciamento das dívidas este percentual sobe para 53,21%. Com a deteriorização das contas públicas verificadas nos últimos dois anos, certamente este percentual hoje é ainda maior. Abaixo, um gráfico que mostra o drama da divisão do orçamento em 2007.
Vale ressaltar que no último ano do governo FHC, o percentual do orçamento gasto com o pagamento de juros e amortizações foi de 45,16%, oito pontos percentuais inferior ao que o governo atual gastou já em 2007, um dos anos mais “brilhantes” do governo Lula.
Traduzindo o “economês”, o refinanciamento da dívida significa renovar as dívidas vencidas com novos prazos e juros, naturalmente. Em outras palavras, significa jogar a responsabilidade para o próximo governo. Tal mecanismo tem se repetido ao longo das últimas décadas com as dívidas externa e interna. A lógica dos governos é a seguinte: não importa o valor da dívida, o que importa é seu percentual em relação ao Produto Interno Bruto – PIB (a soma de todas as riquezas produzidas pelo país). Por este ângulo, o governo Lula se gaba hoje de ter uma dívida interna correspondente a 43% do PIB, valor inferior ao pico de 1998, quando este percentual chegou a 55% no auge da seqüencia de crises internacionais do segundo governo FHC.
Por esta lógica, o governo atual teria ainda 12% de margem para se endividar, pois o parâmetro é sempre o governo FHC. Ou seja, não importa se a dívida da época era de 645 bilhões e hoje é de 1,45 trilhões. O que importa é capacidade do governo em “honrar seus compromissos”, mesmo que estes consumam mais da metade do nosso orçamento.
É com este pensamento que o Governo programa a emissão de títulos das dívidas (novos empréstimos). A antecipação do lançamento dos títulos que serviram para “pagar” a dívida do FMI é apenas um exemplo de como o governo programa seus orçamentos. Em outras palavras, a “emissão de títulos” tornou-se uma das fontes de recursos do Governo, principalmente nos períodos pré-eleitorais.
Poderia ser diferente?
Sim. O governo Lula teve seis anos e meio de crescimento mundial acelerado e sem crises. Poderia ter iniciado uma trajetória de queda dos juros que implicaria na redução dos encargos da dívida interna. A queda dos juros só veio a ocorrer na crise financeira mundial a partir do segundo semestre de 2008, como um antídoto contra a recessão. Caso o Brasil tivesse cortado os juros pela metade nos anos anteriores, o governo federal teria economizado mais de 500 bilhões em pagamentos de juros e amortizações.
A alegação do Governo para não baixar os juros sempre foi o medo da volta da inflação. O argumento foi válido no Governo FHC, caracterizado pelos esforços de estabilização da moeda em meio a um cenário internacional turbulento e de transição. No Governo Lula, no entanto, tal argumento perdeu totalmente o sentido com a estabilização cada vez maior da moeda e da desvalorização do Dólar.
Mais uma contradição
Ao revelar sua disposição em emprestar dinheiro ao FMI, o governo Lula faz exatamente aquilo que criticava quando oposição. Ao passar da condição de devedor à credor do FMI, na prática o governo Lula se coloca na posição de explorador dos países aos quais o FMI vai emprestar nosso dinheiro.
via Visão Panoramica